No lugar das grandes causas, microrrevoluções
Revista VEJA por Carolina Almeida
Para Edgar Gouveia Jr, diretor do Instituto Elos, a juventude empreendedora de hoje promove mudanças expressivas ao agir a partir de sua realidade local
Edgar Gouveia Júnior, 46, urbanista brasileiro e diretor executivo da ONG Instituto Elos, ganhou destaque no meio acadêmico nos últimos anos por sua pesquisa e ativismo sobre mudanças globais. Parte essencial de seu trabalho é o envolvimento com os jovens. Com eles, o arquiteto nascido em Santos (SP) desenvolve no Brasil e em outros países diversos projetos, entre os quais o ‘Oásis’ – que consiste em criar soluções e espaços envolventes, concebidos para troca de experiências, em áreas carentes. A qualidade de sua atividade junto à juventude lhe rendeu o reconhecimento da prestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Sobre workshop dado no local no início deste mês, o portal Havard Gazette o elogiou “por sua abordagem para o desenvolvimento de base e sua pesquisa sobre mudanças através da brincadeira”.
Gouveia Jr. defende que os jovens atuais têm uma maneira diferente, e mais eficaz, de promover mudanças. Saem de cena o sonho com uma grande revolução e a atitude confrontadora – que tanto marcaram gerações anteriores – e entram em voga o desejo de transformar a realidade próxima e o valor dado à colaboração. Ele diz que a figura do herói solitário não existe para essa geração: o que eles querem é trabalhar em equipe.
Os jovens de hoje são adeptos do que Gouveia Jr. classifica como “microrrevoluções colaborativas”, cujas características são o trabalho de curto prazo, feito nos horários livres que eles possuem; a total liberdade para encontrar soluções, com ideias que preferencialmente não envolvam dinheiro; e a diversão, se possível ao lado de amigos. Ao aliar esses três valores, diz o especialista, esses jovens são capazes de traçar um caminho de mudança que não é considerado um fardo – mas sim lazer.
Como os jovens de hoje podem contribuir para mudar o mundo?
Os jovens atuais são mais ágeis e querem resultados mais concretos. A transformação que buscam tem de ser consistente, aqui e agora. Como são mais “pé no chão”, eles não se pautam por sonhos de promover grandes revoluções sociais, políticas e econômicas. Seu foco é o mundo à sua volta. Chamamos essas mudanças de microrrevoluções. Os jovens hoje não se estimulam com o embate. Ao contrário. Eles querem traçar um caminho alternativo, sem usar a força, a guerra, o confronto. O que mais gostam e sabem fazer é o trabalho em grupo.
É isso que você chama de “guerreiro sem armas”?
Chamo de “guerreiro sem armas” o jovem que assume para si o compromisso de contribuir para transformar o mundo – de verdade e já – sem uso de armas ou da violência. Esse jovem desenvolve uma capacidade transformadora sim, mas que implica fazer isso com as pessoas.
Como assim “com as pessoas”? Reunindo pessoas em volta de um objetivo comum?
Sim. O que defendo e percebo que vem do jovem é o desejo de não querer ser um herói solitário. Eles têm a iniciativa e a habilidade de chamar os amigos, os vizinhos e os colegas para seus projetos. É uma vontade de partilhar suas tarefas.
Como você define a atuação do jovem hoje em dia?
Costumo descrever a habilidade deles de promover mudanças por meio de três atribuições básicas: a velocidade, a gratuidade e a diversão. Eles têm prazer e são eficientes, além de econômicos, no que fazem – o que não significa que não obtenham resultado.
Nem todo jovem é tão empolgado. O que fazer para que um número maior deles torne-se mais atuante?
Como muitos não se dispõem naturalmente, a sociedade, sobretudo os jovens que são ativistas, têm de desenvolver a habilidade de fazer convites que neutralizem os principais inibidores do impulso natural para colaborar. Chamo de “inibidores” os medos de sofrer, de perder a liberdade e de falhar. O medo de sofrer não se resume à própria pessoa, mas também ao temor de fazer sofrer quem ela ama. Há também o receio de perder a liberdade ou a autonomia, que surge quando o jovem pensa: “Se eu me envolver nisso, depois não vou poder sair” ou “vai ficar muito chato se sair”. Há aqueles que só querem se envolver se puderem oferecer algo na medida, no prazo e da maneira que bem planejarem. Por fim, existe o clássico medo de falhar, isto é, de se dedicar, acreditar em algo, e tanto envolvimento não levar ao resultado desejado.
Como eliminar, então, esses inibidores naturais da mudança?
Os desbloqueadores são simples. A proposta tem de ser rápida. Todos vivemos sob uma pressão imensa e luta-se muito para dar conta apenas da lista de tarefas do dia a dia. Aderir a uma segunda, terceira causa soa como loucura para muitos jovens. Mas se você chamá-los pra fazer algo significativo na hora do almoço, aí alguns toparão! Se for de graça, melhor ainda. Caso ele tenha liberdade para agir como quiser, aí o convite torna-se mais interessante. Se forem adicionados a esse pacote a diversão e participação dos amigos, a adesão aumenta mais um pouco. Se conseguirmos somar velocidade, autonomia e um significado, a grande maioria da humanidade vai querer contribuir.
Você tem exemplos dessas microrrevoluções?
Um exemplo foi o Jogo Oásis Santa Catarina [da época da enchente do rio Itajaí]. Destaco também os flash mobs – convocações realizadas na internet para atos-relâmpago que reúnem centenas de pessoas. E o nosso mais novo projeto, o “Play the call”, que pretende engajar 2 bilhões de pessoas nos próximos quatro anos em ações “mão na massa” para reverter o processo de destruição da biosfera.
Você considera que o saldo líquido dessas pequenas mudanças na sociedade é positivo?
Positivo é de qualquer forma. Mesmo pequenas, essas microrrevoluções transformam para melhor a vida das pessoas – e, muitas vezes, de modo definitivo. Também vejo que elas estão apontando um caminho, revelando uma tendência. Acredito que essa “onda” está chegando, se insinuando e ampliando. Minha visão é que algo bonito vem por aí se a gente trabalhar – ou melhor, brincar bem.
Como você vê o jovem líder brasileiro, especificamente?
São muitos perfis, não enxergo um padrão claro ainda. Há o jovem brasileiro – que eu gosto de ver e acompanhar – que é cada vez mais engajado socialmente, criativo, que encontra soluções jovens e inovadoras que harmonizam com sua visão de mundo. Eles são silenciosos, estão mais interessados em fazer do que aparecer, ou se promover, e sabem equilibrar transformação do mundo com bem-estar pessoal. Eles não agem como se fosse um sacrifício, mesmo quando têm dedicação total. São agregadores e gostam de chamar os outros, de trocar informações, de colaborar.
Quais dicas gostaria de deixar para esses jovens?
Seja lá o que você faça, seja lá qual for o seu “chamado” no mundo, não lute por isso. Não se sacrifique. Brinque com isso. Adicione felicidade e permita que todos os seus amigos possam participar também. O mundo que a gente está sonhando construir já começa aqui e agora. Não só lá na frente.