Mutirão reforma praças do Jardim Lapenna
No sábado, dia 19 de agosto, o Jardim Lapenna, em São Miguel Paulista, periferia de São Paulo, amanheceu com chuva e frio. Mas o que tinha de tudo para ser um final de semana tranquilo, com espaços públicos vazios, logo mostrou-se o oposto.
Por volta das nove da manhã, desembarcaram de dois ônibus turísticos cerca de 100 funcionários do Hospital Infantil Sabará e do Instituto PENSI, prontos para, ao lado de moradores locais, integrantes do colegiado do Plano de Bairro e funcionários da Fundação Tide Setubal, reformar duas praças do bairro.
Histórico de luta e sonhos
O desejo de requalificar as praças, situadas ao lado do Galpão de Cultura e Cidadania e da E. E. Pedro Moreira Matos, existia há anos. Em um bairro de 12 mil habitantes no qual a maior parte da população tem menos de 29 anos, a ausência de locais para o lazer era sentida. “Faltam espaços para a gente brincar. Acabamos brincando na rua, mas é perigoso por causa dos carros”, diz Kamila Silva, de 10 anos.
Entre 2014 e 2015, o Coletivo Caixa Preta, que atua com projetos e intervenções urbanísticas na região, fez um trabalho de criação de propostas para a praça ao lado do Galpão de Cultura e Cidadania, realizando atividades juto aos alunos da E. E. Pedro Moreira Matos, em parceria com a Fundação Tide Setubal. Dando continuidade ao processo, alunos do curso de arquitetura da Universidade Cruzeiro do Sul, ao lado do professor e arquiteto Samuel Derestes, criaram diversas versões do projeto de reurbanização da praça, e a Prefeitura Regional fez a doação de materiais e mobiliários urbanos para a reforma, como bancos e mesas com tabuleiros.
“Com a chegada da época de chuvas, os trabalhos foram temporariamente interrompidos, mas a intenção de qualificar os espaços públicos do Lapenna se manteve”, conta Simone dos Santos Silveira, assistente de projetos da Fundação Tide Setubal. Quando moradores, instituições locais e lideranças iniciaram o processo de construção do Plano de Bairro do Jardim Lapenna, instrumento de micro planejamento urbano participativo, a renovação das praças apareceu nas oficinas para mapear as demandas da comunidade.
Ao surgir a possibilidade de receber voluntários do Hospital Sabará para um mutirão na praça ao lado do Galpão de Cultura e Cidadania, o os projetos criados anteriormente foram resgatados. Quando, mais tarde, foi decidido fazer uma intervenção também na praça ao lado do E. E. Pedro Moreira Matos, a comunidade fez o projeto juntamente com o arquiteto, no final de semana do mutirão.
Voluntariado motivado
A ideia de levar voluntários ao Lapenna nasceu do desejo dos funcionários do Hospital Infantil Sabará e do Instituto PENSI de realizar esse tipo de atividade. “Temos um programa de formação de voluntariado para a área da saúde, com mais de 100 voluntários dentro do Hospital. Mas o programa não é voltado aos nossos funcionários, e eles desejavam fazer atividades neste sentido”, afirma José Luiz Setúbal, presidente do Conselho da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, que engloba o Hospital Infantil Sabará e o Instituto PENSI. “No ano passado, conheci o trabalho do Edgar Gouveia Jr, um facilitador e transformador social, e fiquei impressionado. Vi ali uma chance de fazermos uma experiência diferente”, conta. A proposta foi tão bem recebida no Hospital que, dos 750 funcionários, 150 participaram direta e indiretamente.
Como a Fundação José Luiz Egydio Setúbal já tem um histórico de parcerias com creches de São Miguel Paulista com o apoio da Fundação Tide Setubal, surgiu a ideia de fazer a ação de voluntariado no Lapenna, concretizando uma acupuntura urbana pensada pelo Plano de Bairro.
A proposta da Epic Journey, empresa que planejou a ação de voluntariado, foi criar uma “viagem fantástica”, na qual os participantes descobririam qual seria o local e o objetivo da atividade no dia. “A gente poderia chegar com todos os recursos e falar para as pessoas apenas construírem a praça, mas não seria um desafio”, conta Edgard, fundador da Epic Journey. “Então falamos que ninguém pode trazer nada ou pôr a mão no bolso, e os voluntários precisam achar os recursos na comunidade. Queremos mostrar para as pessoas que podemos fazer muito com o que já temos, sem muito tempo ou dinheiro. Por isso, tratamos uma experiência como uma gincana, pois as pessoas já sabem que essas brincadeiras são uma missão impossível, então ficam menos resistentes às condições, destravam e dão a melhor versão delas mesmas”.
Assim que chegaram no bairro, os voluntários foram recebidos por 10 moradores influentes do Lapenna, e divididos em grupos puderam conhecer o território e ouvir histórias de quem mora lá faz tempo e já participou de muitas mobilizações por melhorias. Um desses moradores é o aposentado José Paiva de Souza, o Seu Paiva, que participou da construção do conjunto habitacional, chamado localmente de mutirão, e foi o primeiro síndico dos prédios. Flávia Gomes, que trabalha no Hospital Sabará, ficou emocionada com o relato. “Lembrei do meu avô, que mora na Zona Norte e também construiu a própria casa”.
Depois da visita guiada pelos moradores, chegou a hora de todos os participantes do mutirão se dividirem em grupos. Enquanto algumas pessoas buscavam nas casas ferramentas, material de construção e moradores com experiência em construção e marcenaria, outros preparavam as praças, retirando entulho e nivelando o solo. Logo, formava-se uma fila indiana, para transportar as pedras que revestiriam uma das praças. No meio da fila, a aposentada Dona Glória, sorria enquanto trabalhava. “Tenho artrite e reumatismo, mas vendo toda essa movimentação pela comunidade não consigo deixar de participar”, afirma.
No meio da tarde do sábado, o Prefeito Regional de São Miguel Paulista, Edson Marques, conferiu a movimentação e, após ouvir os pedidos da população, disponibilizou caminhões para a retirada do entulho. “Esse trabalho tem um efeito muito grande pois, de certa maneira, é provocante para quem mora aqui e não tem o hábito de cuidar da praça receber gente que vem lá do Hospital Sabará para cuidar dela. Estou achando ótimo”, afirma.
Sobre o Plano de Bairro, o Prefeito Regional mantém-se animado: “Estamos acompanhando as oficinas e temos muitas expectativas, pois é um modelo que podemos reproduzir para o resto da cidade”.
Dentre os participantes da ação, muitos fazem parte do Plano de Bairro (saiba mais sobre os membros do Colegiado aqui). Um dos exemplos é Carlos Borel de Carvalho, o Dida, membro do Colegiado e criador da ONG SOS Lapenna, que entre uma praça e outra, ajudava os voluntários e interagia com os moradores. Por sua vez, Marcel Pereira, Presidente da Sociedade Amigos do Lapenna, ajudou fornecendo apoio aos voluntários que prepararam a alimentação de todos, na creche. E José Alves Iolanda, o Dedé, morador antigo do Lapenna, emprestou o seu caminhão para transportar os materiais para a reforma dos espaços, assim como Cesar Mello Shimazaki, que mora em frente a uma das praças e fez o transporte de materiais ao longo do final de semana.
No final do domingo, os voluntários que encararam a chuva e a lama para reformar as praças embarcaram felizes nos ônibus. A enfermeira Adriene Soares de Oliveira participou dos dois dias do mutirão, mesmo estando grávida de sete meses, e diz não se arrepender. “Apesar da chuva, eu decidi ir porque me comprometi, e chegando lá, ao ver tanta gente motivada, me dediquei de cara”. Além de ter ajudado a construir a praça, Adriene agora planeja um dia contar a história para o seu filho.
Resultados de impacto
Na semana após o mutirão, finalmente a chuva deu trégua e foi possível finalizar o acabamento das praças, com a pintura dos bancos e o paisagismo com plantas doadas pelas pessoas da vizinhança. Imediatamente, as crianças passaram a disputar os balanços e os moradores a ocupar os bancos para descansar e conversar. Durante a Virada Sustentável, professores da E. E. Pedro Moreira e estudantes da ETEC levaram os alunos da escola para a praça, e conversaram sobre a importância de manter o local limpo e bem-cuidado.
O aposentado Ivanildo Manuel da Silva aprovou a iniciativa. Desde o término do mutirão, ele virou uma espécie de guardião da praça ao lado da escola, e tem dedicado o seu tempo livre a fazer novas melhorias. “Construí um murinho, ajeitei as plantas e tenho cuidado do espaço, dito para as pessoas não colocarem os pés nos bancos”, conta.
Agora, com novos espaços públicos na lista de conquistas do Lapenna, os moradores ganham ainda mais ânimo para participar do Plano de Bairro. “Acredito que a ação mostrou como intervenções coletivas dão resultados, e motivará ainda mais as pessoas a se mobilizarem pela comunidade”, afirma Marcelo Ribeiro Silva, coordenador da Fundação Tide Setubal.