A importância da educação ambiental para a prática da gestão urbana

Vitruvius por Antonio Elias Firmino Ferreira

Autores como Camargo et al (1), Jacobi (2), Moreira (3) e Ferreira (4) apontam os caminhos economicistas tomados pelos governos mundiais (o do Brasil, mais especialmente) nas discussões sobre o futuro do país, impondo as reformas econômicas sobre as demandas sócio-ambientais. Após eventos como a Conferência de Estocolmo (1972), a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental (EUA, 1977) e o ECO-92 (Rio de Janeiro, 1992); tratados como o relatório Brundtland, a Agenda 21 e o Protocolo de Kyoto; acidentes como os vazamentos de lixo tóxico em Love Canal (EUA, 1976) e de gases tóxicos em Bophal (Índia, 1984) e a explosão em Chernobyl (Ucrânia, 1986); e a grande exposição na mídia de instituições como o Dia da Terra, o World Wildlife Fund e o Greenpeace, as questões relativas ao meio ambiente passaram a ser realmente discutidas – embora sem sair da teoria para partir para “uma agenda consistente de ações dirigidas à efetiva solução do desenvolvimento sustentável, dependente de reformas profundas nas estruturas de governo, da sociedade e da cultura.” (5)

“As políticas antiurbanas comuns no mundo em desenvolvimento durante os últimos vinte e cinco anos têm sido baseadas numa compreensão equivocada dos desafios e das oportunidades do crescimento urbano. A pobreza urbana é inquestionavelmente um problema significativo e crescente em muitos países em desenvolvimento. Os problemas ambientais estão cada vez mais concentrados em centros urbanos. Contudo, responsabilizar as cidades pela pobreza e por problemas ambientais não resolve a situação. A dispersão ou desconcentração da população e das atividades econômicas não trariam melhora — mesmo que fossem possíveis.” (6)

William Rosa Alves (7) alerta para o uso e interpretações que os governantes de países subdesenvolvidos fazem dos documentos produzidos pelas entidades internacionais.

“Desta forma, apesar de alguns avanços localizados e importantes, não se alcançou o patamar de políticas afirmativas que pudessem contribuir para reverter os altos níveis de pobreza, de devastação ambiental ou de fragilidade dos poderes públicos responsáveis pelo controle e fiscalização das ações da degradação ambiental do país.” (8)

Em especial, nos tempos atuais, em que o crescimento urbano – consequentemente, o crescimento demográfico urbano – chega a forçar o aumento dos impactos ambientais e a população adota uma postura apática com relação aos cuidados com o ambiente citadino, se faz necessário o uso de um instrumento considerado primordial para a mudança comportamental que o tempo exige: a educação ambiental, que Meyer et al (9) definem como “uma reivindicação legítima e um processo contínuo de aprendizagem de conhecimentos para o exercício da cidadania.”

Tendo os pontos de vista expostos, o objetivo do presente trabalho é fazer uma reflexão sobre a contribuição que a educação ambiental populacional pode trazer para o processo de gestão citadina participativa, mudando o quadro de inércia entre os diagnósticos ambientais e a tomada de decisões e alterando a atitude do poder público e de outros atores urbanos em face ao meio ambiente.

Sustentabilidade

Camargo et al (10) citam vários crimes ecológicos que vêm sendo cometidos no meio ambiente brasileiro, como os desmatamentos da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica, a ameaça sofrida pelo cerrado frente à agricultura de grãos para exportação (a concentração fundiária e o uso de agrotóxicos são apontados como grandes problemas nacionais), queimadas e incêndios espalhados pelo território do país etc. Estes delitos podem aumentar seu risco potencial devido à deficiência na fiscalização – os autores alertam que não há corpo funcional suficiente para acompanhar o crescimento do numero de áreas de conservação nos órgãos públicos responsáveis.

O aumento da população citadina também é citado pelos autores. O relatório do Fundo da População das Nações Unidas–UNFPA (11) revela que a população mundial chegará aos 5 bilhões de pessoas até 2030, e a sua maioria habitará as áreas urbanas de países em desenvolvimento. Camargo et al (12) manifestam preocupação com o fato, pois este “crescimento urbano, aliado à crise econômica que o país tem enfrentado nas duas últimas décadas, levou à intensificação da degradação social e ambiental nas grandes cidades brasileiras.”

Os problemas são bem conhecidos: falta de saneamento básico, poluição sonora, do ar, da água e visual, crescimento urbano desordenado (acarretando a ocupação de áreas de risco e/ou de proteção ambiental e o abandono de áreas construídas), superpopulação, chuva ácida, efeito estufa etc. “A biodiversidade (…), o lixo urbano, o lixo hospitalar, o lixo químico e o caso insolúvel do lixo radioativo são grandes preocupações dos novos ambientalistas.” (13)

Esta problemática não poderá ser resolvida sem que ocorra uma mudança radical nos modelos sociais de valores e comportamento e nos sistemas de conhecimento, atualmente fundados no aspecto econômico do desenvolvimento, para que as causas destes reveses sejam revertidas. (14)

Francisco Romanelli (15) expõe um cenário apocalíptico: caso a má utilização dos recursos do planeta continue neste ritmo, prevê-se o aumento das catástrofes naturais e grandes prejuízos naturais (principalmente nas áreas urbanizadas), extinção prematura de seres da biodiversidade, diminuindo a área verde e aumentando a ocupação desordenada, “provocando em retorno o aumento da miséria, da fome, e uma inevitável aceleração nos processos de degradação…”

A atual crise ambiental que a humanidade enfrenta exige como resposta a preservação dos ecossistemas naturais que ainda restam, por parte de todos os atores: sociedade, especialistas, mídia, empresas, governo. Maria Helena Couto Costa (16) cita o seguinte trecho de Kothari:

“O respeito à diversidade da natureza e a responsabilidade de conservar essa diversidade definem o desenvolvimento sustentável como um ideal ético. A partir da ética do respeito à diversidade do fluxo da natureza, emana o respeito à diversidade de culturas e de sustentação da vida, base não apenas da sustentabilidade, mas também da igualdade e justiça.”

Sobre a preservação de ecossistemas naturais em unidades de conservação, Camargo et al (17) sustentam que

“houve no período um incremento significativo na área (…). Graças à adesão dos governos estaduais e de proprietários privados e atuação do governo federal, foi possível aumentar em aproximadamente 55% a área total sob proteção legal no país. Este número é particularmente significativo quando se considera que ele está sendo comparado à soma das unidades de conservação criadas nas seis décadas anteriores.”

 

Educação ambiental

Entende-se que a educação ambiental é um ponto primordial para uma efetiva participação populacional nos processos de planejamento e gestão urbana. Mas é necessário buscar primeiramente uma definição para o termo.

Santos e Xavier (18) tentam construir um conceito para Educação Ambiental, fazendo um apanhado de declarações sobre o assunto através dos tempos, pelos mais diferentes autores, e mostrando três dos mais representativos, encontrados na obra de Guedes (19).

Num primeiro momento, Educação Ambiental dizia respeito à “formação dos cidadãos em torno do ambiente biofísico e os seus respectivos problemas”, embora mantendo um ponto de vista antropocêntrico e desconsiderando as relações entre o homem e o meio ambiente:

“oferecer condições favoráveis a um ambiente, para que possa desenvolver os seus recursos e as suas habilidades, a fim de poderem se confrontar às questões promovidas pelo próprio homem, no tocante ao desrespeito com o Meio Ambiente.”

De acordo com Stapp (20), educação ambiental seria:

“O processo que deve objetivar a formação de cidadãos, cujos conhecimentos acerca do ambiente biofísico e seus problemas associados possam alertá-los e habilitá-los a resolver seus problemas.”

Meyes et al (21) atualizam esta definição, ampliando a visão de Educação Ambiental e pondo o homem num patamar além do de preocupação com o seu próprio bem-estar – ele deve se conscientizar do seu dever para com o ecossistema. A partir daí, vem a consciência de sua cidadania. Dizem eles:

“a EA é uma reivindicação legítima e um processo contínuo de aprendizagem de conhecimentos para o exercício da cidadania. (…) Para a EA lidar com a realidade, pode e deve ser o agente otimizador de novos processos educativos que conduzam as pessoas por caminhos onde se vislumbre a possibilidade de mudança e melhoria do seu ambiente total.”

Com o ECO-92, Santos e Xavier dizem que a visão de Educação Ambiental ganhou uma nova dimensão – mais do que a socialização e a reivindicação de direitos, mas a de um ato político, onde a natureza deixou de ser fornecedora de recursos naturais para adquirir um caráter ideológico, que deve ser vista sob uma nova ótica, conforme nos diz Cassino (22):

“A EA deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar. (…) A EA deve tratar das questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados com o desenvolvimento e o meio ambiente, tais como população, saúde, direitos humanos, democracia, fome degradação da fauna e da flora, devem se abordados dessa maneira.”

Para se entender mais a real importância da educação ambiental no Brasil, é necessário também entender um pouco sobre os processos de expansão urbana.

De acordo com Alves (23) e Villaça (24), a urbanização no Brasil se deu (e ainda se dá) por “atuações perpetradas pelas classes dominantes” (25), o que “pressupôs uma urbanização anti-cidadã (…). A expressão mais eloqüente disso é uma urbanização com uma intensificação (…) das (…) desigualdades na partição das formas de riqueza, sobretudo de renda. Tal dimensão estrutural é vista também nas extensas periferias com condições de vida em muito ditas ‘subumanas’.” (26)

Flávio Villaça (27) explica que o processo de crescimento urbano em países subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento” se dá por duas frentes: 1) a frente abastada (chamemos assim), que usa de seu poder e influência para determinar onde irá morar e trabalhar (os fatores determinantes para suas decisões variam de região para região); e 2) a frente carente (ponhamos desta maneira), que se estabelece em locais próximos à oportunidade de trabalho e cujos custos de moradia sejam compatíveis com seu rendimento. Ambas as ‘frentes’ entram freqüentemente em conflito e os resultados físicos deste antagonismo de classes são a ocupação indiscriminada de espaços que deveriam ser preservados, ou de locais de risco pela frente carente; e o abandono de áreas construídas pela frente abastada, deixando-as em desuso.

Este tipo de configuração do espaço, embora orgânico, é “tóxico” para todos os envolvidos, por ameaçar o meio ambiente – tanto o natural, quanto o citadino – com as ações (conscientes ou não) de seus habitantes.

“Tomando-se como referência o fato de a maior parte da população brasileira viver em cidades, observa-se uma crescente degradação das condições de vida, refletindo uma crise ambiental. Isto nos remete a uma necessária reflexão sobre os desafios para mudar as formas de pensar e agir em torno da questão ambiental numa perspectiva contemporânea.” (28)

Como aponta Miguel Ruano

“Durante muitos séculos (…) os tecidos urbanos foram (muitos ainda o são) configurados organicamente por seus próprios habitantes. Nos processos tradicionais de crescimento urbano, os biotopos urbanos se constroem, quase que por definição, para satisfazer as necessidades e desejos imediatos dos habitantes humanos.” (29)

A educação ambiental é defendida por Ruano (30) como atividade primeira e primordial no processo de uma gestão participativa. É através da informação que a população terá base para também participar ativamente, pois terá consciência de que também é parte da cidade e deve zelar por ela, ao invés de adotar uma atitude apática e simplesmente esperar que tudo mude.

O processo para se chegar à sustentabilidade enfrenta uma série de práticas sociais, que Jacobi chama de “paradigma da ‘sociedade de risco’”. Para que haja mudanças comportamentais, é necessário que se multipliquem as práticas sociais de acesso à informação e à educação ambiental, em especial; além de aumentar o poder e o alcance das iniciativas que buscam a transparência na administração dos problemas ambientais urbanos e sua divulgação para a sociedade.

Esta questão induz à necessidade do acesso aos meios de comunicação como forma de propagar publicações, exposições e/ou apresentações de cunho educacional, divulgando medidas e caminhos para alterar o quadro de degradação ambiental. Assim, acredita-se que o poder e a autoridade possam se reorganizar, ampliando e promovendo o acesso à educação ambiental em uma perspectiva integradora, aumentando a consciência populacional e estimulando a sua participação de modo mais propositor, questionador e inquisidor, “em um nível mais alto no processo decisório, como uma forma de fortalecer sua co-responsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental.” (31)

Yvette Veyret (32) constrói uma cadeia maior, apontando responsabilidades a todos os atores. As formas de mídia (impressa, audiovisual e/ou cibernética) devem servir como ponte para a troca de informações entre todos os atores. Os atores da sociedade civil devem desencadear o debate, denunciar os perigos, cobrar estudos aprofundados dos especialistas e dos atores econômicos e cobrar soluções dos políticos. Os políticos, especialistas e atores econômicos, por sua vez, têm o dever de utilizar as mídias para informar uns aos outros, comunicar-se, enviar alertas e/ou prestar contas de suas ações para o público.

“Existe, portanto, a necessidade de incrementar os meios de informação e o acesso a eles, bem como o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais, como caminhos possíveis para alterar o quadro atual de degradação socioambiental. Trata-se de promover o crescimento da consciência ambiental, expandindo a possibilidade de a população participar em um nível mais alto no processo decisório, como uma forma de fortalecer sua co-responsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental.” (33)

Entretanto, Alves (34) pontua que a classe dominante (a que chamamos frente abastada, anteriormente) pode se utilizar da superestrutura para manter sua força sobre o sistema de forças de trabalho, submetendo a frente carente a uma “idiotização (…) com a cara de ‘educação’, com o rótulo de ‘cidadania’, com o cheiro de ‘futuro’…” como base para a modernização da sociedade, forçando um novo jogo de submissão. A educação não pode ser utilizada da forma atual, como forma de divisão social e destruidora da própria força de trabalho em uma busca tecnicista “mesmo que maquiada com adjetivos (…) como ‘ambiental’, ‘turística’, ‘lúdica’ etc.”:

“A gestão do trabalho e da pobreza requer e concebe uma educação que não só concorra e contribua, mas até propicie e chancele uma divisão social do trabalho para além da divisão técnica atrelada aos desígnios estritos da classe que domina as condições de existência do todo, sobretudo porque aparece (…) como a superestrutura do desenvolvimento geral desejado pela sociedade.” (35)

A sociedade, neste momento, deve estar mobilizada para adquirir um caráter mais inquisitório e propositivo, uma vez que é sua função questionar os governos, e tal cobrança deve ser feita com bases concretas de argumentação no tratante às políticas relativas ao binômio sustentabilidade e desenvolvimento socioeconômico.

“Para tanto é importante o fortalecimento das organizações sociais e comunitárias, a redistribuição de recursos mediante parcerias (…) para participar crescentemente dos espaços públicos de decisão e para a construção de instituições pautadas por uma lógica de sustentabilidade.
(…) Nessa direção, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as (…) formas de participação (…), inclusive pelos setores menos mobilizados. Trata-se de criar as condições para a ruptura com a cultura política dominante e para uma nova proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.” (36)

Este é o real papel da educação ambiental: nada mais que uma ferramenta para o exercício da cidadania.

Cidadania

Por “cidadania”, De Plácido e Silva (37) entende como não somente “a qualidade daquele que habita a cidade, mas (…) a efetividade dessa residência (grifo do autor), o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside.” Cidadania deve ser entendida como a certeza do cumprimento de seus deveres e da validade dos direitos de todos os habitantes de determinado local – conforme aponta Nuno Andrade Santos (38), como forma de satisfazer as necessidades básicas de natureza cultural, econômica e social de acordo “com a própria avaliação qualitativa das condições de exercício da ‘vida urbana’.”

Nos tempos atuais, a informação é preciosa para que a cidadania, através de uma educação ambiental consistente, se faça e possa contribuir para a melhoria ecológica das cidades. Através das notícias veiculadas em jornais e revistas, da internet, rádio e televisão, as pessoas ganham ânimo e a base para defender a qualidade de vida e modificar o crescente quadro de degradação. Seguindo o contexto, Jacobi (39) chama a atenção para o papel daquele que irá fazer o papel de educador: “O educador tem a função de mediador na construção de referenciais ambientais e deve saber usá-los como instrumentos para o desenvolvimento de uma prática social centrada no conceito da natureza.”

Edgard Gouveia Jr. (40), em entrevista ao website Museu da Pessoa, apresentou o projeto da Escola de Guerreiros sem Armas, que surgiu a partir das atividades sociais dos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos e da observação das vidas do povo e da cultura caiçara, com quem estavam trabalhando durante a reforma do Museu da Pesca, e do interesse de estudantes de outras universidades em repetir a experiência.

O projeto da Escola nasceu (e ainda acontece) na cidade de Santos, e trata-se de uma espécie de treinamento de profissionais, na cidade de Santos, para adentrar em áreas carentes e interagir com seus habitantes, de forma a descobrir suas potencialidades, conscientizá-los delas e incentivá-los a agir por conta própria. Como relata o próprio Gouveia Jr.:

“Enquanto trabalhávamos no museu, percebemos que era um desafio empolgante e queríamos envolver o maior número possível de pessoas. Não era uma missão: salvar o museu mexia com as pessoas e todo mundo queria se envolver, nem precisava chamar. Como seria então ampliar esse desafio? (…)
Estamos envolvidos por tanta notícia ruim que acabamos fixando a idéia de que não somos capazes. (…) É uma depressão social, cultural e generalizada, que impede a reação.
O Guerreiro sem Armas é aquele que vai transformar isso. Vai trazer uma esperança, o que vai dizer assim: “Olha, é possível e vale a pena.” (…) As estratégias são muitas. Uma delas é aprender a tocar o próprio sonho, descobrir o que cada um faz. Só de ouvir outra pessoa contar de onde veio, como era sua infância, ela começa a brilhar de novo. São aquelas pessoas que estão murchas, depressivas, apáticas, paralisadas na favela…
A missão do Guerreiro sem Armas é chegar lá e chacoalhar isso de novo (…). É construindo, mesmo. Construir praça, creche, e rápido, para que as pessoas possam acreditar, tenham vontade de sair da toca. (…) Como o caso daquela família que não consegue arar a terra dela inteira a tempo de plantar e colher. O que a família faz? Convida um monte de famílias e todo mundo vem no fim de semana e faz um milagre. E fazem isso cantando. Nossos caiçaras fazem isso. (…) É esse o trabalho de mudar o mundo, de mudar uma situação ruim e ser motivo de festa.” (41)

As atividades dos Guerreiros sem Armas incluem a população do local a ser trabalhado, pois todas as decisões são tomadas em conjunto, depois de todas as partes ouvidas. E é a própria população quem passa a agir e construir, incentivada pelos profissionais num clima de festa. A partir daí, a população ganha a consciência de que pode e deve cuidar de seu próprio espaço:

“Os Guerreiros sem Armas se tornaram tão populares que estão se espalhando pelo mundo. ‘Na última seleção para a Escola de Guerreiros sem Armas, que foi mundial, abrimos para todo mundo mesmo. Chegou morador de rua, indígenas do meio do Acre, universitários, milionários, mexicanos, paquistaneses. Foi mágico, e era uma utopia, não sabíamos se ia funcionar, como não sabíamos o que aconteceria no museu.'” (42)

Conforme foi dito, entre outros, por Ruano (43) e Villaça (44), é através da consciência de sua cidadania – que vem com a educação, como mostrado pela iniciativa do Guerreiros sem Armas (45) –, que a população se sente como parte da cidade e apta a participar dos processos de planejamento e gestão. “Nesse contexto (…), a educação ambiental aponta para propostas pedagógicas centradas na conscientização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos educandos.” (46) As maneiras de aproximação e prática desta teoria variam – é preferível educar as novas gerações, desde a infância, e ensinar aos já crescidos através da prática, seja ela consciente (preferencialmente) ou não.

Casos como o da cidade de Curitiba são importantes para ilustrar esta prática – indo até na contra-mão da experiência de outras prefeituras, cuja atitude com relação aos problemas socioambientais era de relativa distância e pouca participação, deixando o trabalho a cargo de ONGs. O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba–IPPUC (47) mostra as medidas políticas do município com relação à educação ambiental – “as medidas de conservação da natureza e a participação social fomentaram a formação do planejamento ecológico (…), garantindo a qualidade de vida.” (48)

Um programa praticado pela prefeitura é a campanha “lixo que não é lixo – lixo que é riqueza”, em que a população pode trocar lixo reciclável por tickets dados pela prefeitura; e que podem valer bônus como passagens de ônibus, alimentos, brinquedos, livros, roupas, ingressos para eventos culturais etc. “Tal campanha foi uma forma encontrada pelo município de englobar os habitantes mais carentes – principalmente os habitantes de favelas – no espírito eco-empreendedor que tomou conta da cidade a partir da década de 1950.” (49)

Não apenas a população carente foi afetada pela campanha. Também os síndicos e zeladores de prédios residenciais são estimulados a fazer a coleta seletiva em seus condomínios.

Com o apoio e adesão populacional, a campanha se estendeu às escolas, dando-se prêmios às turmas que recolhem a maior quantidade de material reciclável, além de as noções de ecologia, cidadania e ética serem ensinadas aos estudantes desde a pré-escola.

“Desde cedo as crianças conhecem a importância da preservação dos recursos naturais e aprendem a estabelecer uma convivência de equilíbrio com o meio ambiente. Este aprendizado está implícito em todas as atividades escolares, não configurando uma disciplina especifica justamente para que as crianças percebam que a questão ambiental está presente, de diferentes formas e em diferentes situações, na totalidade da vida do Homem.” (50)

Estas atitudes encontram eco nas palavras de Pedro Jacobi, para quem a sustentabilidade “como novo critério básico e integrador precisa estimular permanentemente as responsabilidades éticas, na medida em que a ênfase nos aspectos extra-econômicos serve para reconsiderar os aspectos relacionados com a eqüidade, a justiça social e a própria ética dos seres vivos.” (51)

Os efeitos do programa são sentidos tanto no ambiente urbano de Curitiba – ruas limpas e bem cuidadas, além da redução no nível de detritos despejados nos rios – como na realidade ambiental – com a preservação de árvores que seriam desmatadas para a fabricação de papel, por exemplo – e na auto-estima populacional – com acesso a bens básicos e a eventos culturais. E assim, como diz o IPPUC (52), “a qualidade de vida, verifica-se concretamente por esta melhoria, está diretamente vinculada aos cuidados que se dispensa ao meio ambiente.” Tal efeito positivo, como apontado por Ferreira (53), trouxe reflexos positivos às carreiras de todos os envolvidos (políticos, especialmente), e mais um reflexo extra: outras localidades do Brasil passaram a copiar não apenas esta, mas outras medidas urbanas de Curitiba, após a cidade despontar mundialmente como exemplo de urbanização, no início da década de 1990.

Obviamente, nenhum dos dois exemplos aqui mostrado é perfeito. Gouveia Jr. (54) assumiu que a Prefeitura de Santos, muitas vezes, deixou várias comunidades tidas como “impossíveis de se trabalhar” nas mãos dos Guerreiros sem Armas. Já Curitiba, mesmo sendo um exemplo mundial de urbanismo, é apontada por Marcelo Souza (55) como uma cidade longe de ter uma gestão participativa.

Ainda assim, eles conseguem mostrar que, mesmo seguindo métodos diferentes e indiretos, a população, ao perceber que simples mudanças de olhar e de atitude podem transformar o ambiente ao seu redor – sendo educados ambientalmente –, adquire a consciência de sua cidadania e passa a exercê-la, exibindo em seu semblante o orgulho do seu lugar.

Considerações finais

O maior problema enfrentado pelo movimento ambientalista, hoje em dia, é a apatia populacional – que Gilberto Dimenstein (56) chama de analfabetismo urbano. Deste modo, a sociedade acaba por “deixar passar” muitos dos despautérios cometidos por políticos incompetentes, empresas inescrupulosas etc., mesmo com indignação.

Para sair do estado letárgico e exercer apropriadamente a cidadania, é necessário possuir a informação correta, e neste ponto se faz necessária a Educação Ambiental.

“A dimensão ambiental configura-se crescentemente como uma questão que envolve um conjunto de atores do universo educativo, potencializando o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva interdisciplinar.” (57)

Consciente dos impactos de seus atos, a população pode reeducar suas ações e passar a pressionar e fiscalizar o poder público, cobrando de seus representantes as melhorias de que a cidade necessita, ajudando a preservar as áreas ambientais e também ganha a força necessária para se fazer presente e ouvida nas discussões de planejamento e gestão urbana. Como complementa Santos (58), “a Democracia fomenta a participação social.”

Marcelo Souza alerta para as dificuldades de se estabelecer a participação popular no planejamento e na gestão das cidades, em especial das cidades cuja situação de fragmentação (59) seja palco para a geração de novos problemas, como o tráfico de drogas nas favelas e os impasses resultantes da dominação da população favelada pelos chefes das “bocas”. Mas o próprio Souza incentiva a iniciativa, encarando-a como o grande desafio que realmente é: “um ‘efeito de demonstração’ de intervenções bem-sucedidas (…) pode pressionar no sentido de um clima crescentemente desfavorável para os traficantes naqueles locais onde a participação e as suas conseqüências positivas se virem bloqueadas.” (60)

Finalizando, o relatório do UNFPA faz um último apelo:

“As decisões tomadas hoje nas cidades do mundo em desenvolvimento darão forma não somente a seus destinos, mas ao futuro social e ambiental da humanidade. O milênio urbano que se aproxima poderia tornar a pobreza, a desigualdade e a degradação ambiental mais manejáveis, ou poderia piorá-los exponencialmente. Sob essa luz, os esforços para se abordar os desafios e oportunidades apresentados pela transição urbana devem ser permeados por um sentido de grande urgência.” (61)

Este milênio já está em seu nono ano.

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notas

1 CAMARGO, Aspásia, CAPOBIANCO, João Paulo; OLIVEIRA, J.A. Puppim. (coord.). Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculos Pós-Rio-1992. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. p. 21-48.
2 JACOBI, Pedro. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. In Cadernos de Pesquisa, nº118, p.189-205, março/2003. São Paulo: USP, 2003.
3 MOREIRA, José Lisboa Mendes. Da ecologia ao novo ambientalismo. Recanto das Letras, Textos: online, 14/09/2007. Disponível em: <www.recantodasletras.net/artigos/652315>. Acesso em: 28 de fevereiro de 2009.
4 FERREIRA, Antonio Elias Firmino. O EcoUrbanismo – Compreensão acerca de um novo termo. 2007, 80 f. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Maceió: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas, 2007.
5 Camargo et al, op. cit.: 01
6 FUNDO DA POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Situação da população mundial 2007 – Desencadeando o potencial do crescimento urbano. Nova Iorque: UNFPA-Fundo da População das Nações Unidas, 2007. p. 76.
7 ALVES, William Rosa. Urbanização e reprodução social: educação como política urbana anti-política no Brasil. In CARLOS, Ana Fari Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (orgs.). Dilemas urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo-SP: Contexto, 2003. p. 244-252. p. 247.
8 Camargo et al, op. cit.: 01.
9 apud SANTOS, Gustavo de L.; XAVIER, Sérgio Henrique V.. Equipamento de lazer nos centros urbanos: o aproveitamento dos espaços livres para a prática do turismo. In IX Seminário Lazer em Debate, São Paulo, 2008. Anais… Disponível em <www.uspleste.usp.br/eventos/lazer-debate/anais-gustavo-sergio.pdf.pdf>. Acesso em: 06 de março de 2009. p. 03.
10 Camargo et al, op. cit.
11 UNFPA, op. cit.
12 Camargo et al, op. cit.: 05.
13 Moreira, op. cit.
14 Leff, 2001, apud Jacobi, op. cit.: 190.
15 ROMANELLI, Francisco A.. Problemas ambientais. Zantina, Ecologia: online, [200?]. Disponível em: <www.funke.com.br/zantina/ecologia/problemasambientais.htm>. Acesso em: 28 de fevereiro de 2009.
16 COSTA, Maria Helena Couto. Urbanismo sustentável em Áreas de Proteção Ambiental: o caso da drenagem urbana no Setor de Mansões Park Way, em Brasília – DF. 2008, 182 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Brasília: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, 2008. p. 09.
17 Camargo et al, op. cit.: 03.
18 Santos; Xavier, op. cit.
19 Guedes, apud Santos; Xavier, op. cit.: 02-03
20 Stapp, in Guedes, apud Santos; Xavier, op. cit.: 03.
21 Meyes et al, in Guedes, apud Santos; Xavier, op. cit.: 03.
22 Cassino, in Guedes, apud Santos; Xavier, op. cit.: 03.
23 Alves, op. cit.
24 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.
25 Alves, op. cit.: 247.
26 Alves, op. cit.: 245.
27 Villaça, op. cit.
28 Jacobi, op. cit.: 190.
29 RUANO, Miguel. EcoUrbanismo – Entornos Humanos Sostenibles: 60 Proyectos. 2ª ed, 4ª reimp. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 17. No original: “For centuries (…), urban fabrics were – and many still are – created organically by their own human inhabitants. In traditional urban growth processes, urban biotopes are built, almost by definition, to satisfy the immediate needs and desires of their human inhabitants.” (livre tradução).
30 Ruano, op. cit.
31 Jacobi, op. cit.: 192.
32 VEYRET, Yvette (org.). Os riscos: O homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2003. pp. 11-45.
33 Jacobi, op. cit.: 192.
34 Alves, op. cit.: 249-250.
35 Alves, op. cit.: 250.
36 Jacobi, op. cit.: 203.
37 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 168.
38 SANTOS, Nuno Andrade. Ambiente urbano e cidadania da urbe. In Espaço Público, nº01, abril/2006. Torres Vedras: Cooperativa de Comunicação e Cultura, 2006. Disponível em . Acesso em: 05 de março de 2009. p. 03.
39 Jacobi, op. cit.: 193.
40 GOUVEIA JR., Edgard. Histórias. Todo mundo pode mudar o mundo, s/l, [2006?]. Entrevista concedida ao website Museu da Pessoa. Disponível em: <www.museudapessoa.com.br/MuseuVirtual>. Acesso em 22/02/2009.
41 Gouveia Jr., op. cit.: 04.
42 Gouveia Jr., op. cit.:05.
43 Ruano, op. cit.
44 Villaça, op. cit.
45 Gouveia Jr., op. cit.
46 Jacobi, op. cit.: 196.
47 INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO DE CURITIBA. Memória da Curitiba urbana – Escola de Urbanismo Ecológico. v. 8. Curitiba, 1992. 97p.
48 PIPPI, Luis Guilherme Aita; AFONSO, Sonia; SANTIAGO, Alina. A aplicação da sustentabilidade no ambiente urbano. In ENECS 2003 – ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE CIENCIAS SOCIAIS, Brasília, 2003. Anais… Disponível em: <www.arq.ufsc.br/~soniaa/sonia/ENECS/GuilhermeENECS2003.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2007.
49 Menezes, apud Ferreira, op. cit.: 50.
50 IPPUC, op. cit., pp. 29-30.
51 Jacobi, op. cit.: 196.
52 IPPUC, op. cit.: 09.
53 Ferreira, op. cit.
54 Gouveia Jr., op. cit.
55 SOUZA, Marcelo Lopes de. Participação popular no planejamento e gestão de cidades sociopolítico-espacialmente fragmentadas: um ensaio sobre enormes obstáculos e modestas possibilidades. In CARLOS, Ana Fari Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (orgs.). Dilemas urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo-SP: Contexto, 2003. p. 266-275.
56 DIMENSTEIN, Gilberto. [texto de orelha]. In CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. 1ª ed, 2ª reimp. São Paulo: Editora 34, 2006. Orelha.
57 Jacobi, op. cit.: 190.
58 Santos, op. cit.: 09.
59 Por “fragmentação”, Marcelo Souza entende a separação sociopolítico-espacial que ocorre nas grandes cidades, tendo como grande exemplo a formação de favelas. Os conflitos gerados pela influência do tráfico de drogas no desenho urbano – tópico estudado pelo autor em pesquisa realizada entre 1994 e 1997 – chegam ao ponto de impedir o bom andamento de projetos de reurbanização de favelas, onde os chefes das “bocas” locais dominam a população e fazem de seus líderes comunitários meros marionetes.
60 Souza, op. cit.: 274.
61 UNFPA, op. cit., 76.

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sobre o autor
Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Alagoas-UFAL, membro do Escritório-Modelo de Causas Sociais em Arquitetura e Urbanismo.

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