Os games que estão ajudando a mudar o mundo para melhor
Projeto Colabora por Fernanda Baldioti
Jogos cooperativos, como a Primavera X, mobilizam dezenas de adolescentes em prol do meio ambiente e de questões comunitárias locais
“Quem aí está descontente e acha que merecíamos um mundo melhor?”. Partindo dessa pergunta, o palestrante Edgard Gouveia Júnior conseguiu colocar pesquisadores e artistas de várias partes do mundo se apoiando uns nos outros, como se fossem crianças, colocando pés, mãos e usando até as cabeças para encostar em pessoas completamente desconhecidas. Com a brincadeira realizada no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, que aconteceu na semana passada, ele mostrou à plateia como tem, de maneira lúdica, conseguido mobilizar crianças, jovens e adultos com jogos cujos objetivos são promover verdadeiras revoluções nas comunidades.
Para se ter uma ideia, neste fim de semana, cerca de 50 mil jovens de 11 a 15 anos devem participar da “Primavera X”, uma gincana nacional que quer, em dois dias (22 e 23/09), realizar mutirões para recuperação de nascentes, desassoreamento de rios e igarapés, despoluição de açudes e lagoas e limpeza de praias. Tudo começou na V Conferência nacional Infantojuvenil de Meio Ambiente (CNIJMA), que aconteceu em junho com a participação de mais quase 10 mil escolas de 25 estados. Por meio de um site que funciona como um game, os participantes, desde o início de agosto, foram recebendo missões a cada semana, como a formação de um clã ou time, a definição do manancial e do que será feito até uma campanha para a divulgação do mutirão, que espera atingir e mobilizar mais pessoas além do grupo inicial.
Edgard explica que os jogos cooperativos surgiram com o objetivo de rever as características de competitividade dos games convencionais. A ideia é jogar para superar desafios e não outras pessoas:
“Participei da minha primeira gincana aos 12 anos. Fui para Paraty e lá nos desafiaram a trazer um elefante de verdade e cor de rosa em três horas. E não é que conseguiram dois elefantes? Um deles era cinza. Só que um dos grupos além de conseguir o elefante, pintou ele de rosa. Desde então, passei a me questionar como era possível mobilizar pessoas em torno de missões que parecem impossíveis”.
Co-criador de pelo menos quatro jogos cooperativos – Oasis, Guerreiros sem armas, Play the call e Jornada X – Edgard, que tem pós-graduação em Jogos Cooperativos, vê nas brincadeiras uma forma de mobilização social. Arquiteto de formação, ele hoje é um dos membros de organizações que oferecem soluções colaborativas para diferentes contextos por meio de consultoria, palestras e workshops, como o Projeto Cooperação, a LiveLab (que apoia a Primavera X ao lado do Ministério de Meio Ambiente e da Agência Nacional de Águas) e a Epic Journey:
“Para nós, adultos, mudar o mundo é um sacrifício. Para as crianças, para a nova geração, não pode ser assim”.
Edgard defende que o sucesso de um jogo cooperativo é baseado nos princípios “Free, Fast, Fun and Fabulous”:
“A tarefa pode ser difícil, mas ela tem que ser extraordinária, de rápida execução, divertida – não é justo chamar os amigos para algo chato – e pensada de forma que as pessoas não precisem colocar a mão no bolso. Dessa forma, elas conseguem tudo, doações de mantimentos, de tintas… O dono do circo empresta até o elefante”.
Por meio de aplicativos para smartphones e redes sociais, eles vão utilizando as tecnologias para promover impacto social.
“Seu celular te dá mais poder do que o 007 tinha, pelo menos até os anos 1980. E você ainda usa ele para tirar selfie, tirar foto de prato de comida”, brinca Edgard. “Mas dá também para mudar o mundo”, completa ele.
É assim que jovens como a pernambucana Camilly Vitória de Souza Santos, de 14 anos, se veem motivados a virarem líderes e empreendedores sociais. Com seu clã, ela vai cuidar da Lagoa Olho D’Água, que fica em Jaboatão dos Guararapes, tem 500 hectares de espelho d’agua, mas vem sofrendo com lixo, esgoto e mortandade de animais nativos.
“Eu participei da conferência nacional e voltei com uma ansiedade de fazer algo, de colocar aquelas discussões em prática. Tudo ficou mais fácil com a Primavera X porque vamos seguindo os passos do jogo. Uma das primeiras missões era formar o clã. Juntei 30 amigos da minha escola e pedi ajuda aos meus professores. Até o fim da semana, vamos decidir exatamente as ações, mas a ideia é além da coleta de resíduos sólidos, espalhar placas de conscientização ao redor da Lagoa e começar a arborização. E não vamos parar por aí. Quero fazer um cronograma de ações para 2018 e 2019”.
Morador de Nova Iguaçu, o estudante João Emanuel de Souza Ribeiro, de 15 anos, lidera um clã que vai cuidar do Rio São Pedro. Ele conta que conversa com estudantes de todo o país por WhatsApp para trocar ideias sobre como executar as missões. Foi assim que esses jovens bombardearam de mensagens as contas nas redes sociais de atores como Camila Queiroz e Marcos Palmeira, pedindo que eles divulgassem a Primavera X e atraíssem mais voluntários.
“Eu já tinha participado de jogos cooperativos, mas nenhum de tanto impacto. Este é o melhor jogo que já joguei”, conta João, que explica a escolha do Rio São Pedro: “O rio desde 1500 teve a sua importância porque os portugueses buscaram água nele. Hoj,e ele abastece 60% da população de quatro municípios da Baixada Fluminense. Vai muito turista tomar banho. E eles deixam muito lixo. Vamos recolher isso, e plantar mudas específicas da mata atlântica, devolvendo a mata ciliar à margem deste rio. E a terceira ideia é pular na água e curtir o rio, que também é nosso”.
Mas nem só as causas ambientais mobilizam os jovens que participam de jogos cooperativos. A estudante de arquitetura Letícia Alves, de 20 anos, integra um time de dez pessoas que participam do XLAB-Juiz de Fora, um grupo que surgiu a partir do jogo Jornada X. A missão mais recente foi a reforma da quadra do Instituto Padre João Emílio:
“Era uma missão muito grande. Conseguimos juntar 50 pessoas e arrecadamos mobiliário, brinquedos e material escolar. Batemos de loja em loja do shopping vizinho pedindo as coisas. O resultado foi surpreendente”.
“Eles não só pintaram uma quadra. Entregaram um Mondrian aos alunos. Não é incrível?”, indagou Edgard exibindo na palestra em Inhotim o feito dos jovens mineiros.
Qual é o plano mais ambicioso de Edgard, o arquiteto que sonha em mudar o mundo brincando? Salvar a Amazônia em três anos. Difícil? Não para ele:
“Acabou o tempo de super-herói sozinho. Se uma quadra inteira quiser, nenhuma pessoa daquele bairro é abusada e nenhuma criança passa fome. Se algumas pessoas se mobilizarem, conseguiremos preservar e proteger a floresta e o mundo”.